sábado, 3 de junho de 2017

A interpretação a altura do Sujeito lacaniano




O sujeito lacaniano é herdeiro de restos, restos do sujeito da filosofia e da ciência por exemplo. O sujeito da filosofia em sua busca de se interessar “por aquilo que todo mundo está interessado sem saber” (p. 807, subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano) faz parir, e como Lacan afirma, faz também abortar campos do saber. Uma de suas filhas, é a imperativa ciência, um sujeito que goza da empiria.

O sujeito da ciência é um sujeito empírico que falha, lá onde não se tem (com)sciência a psicanálise há de advir. A Imperatriz ciência, pela lei de um sujeito que deve saber o que faz, para repetir e distribuir o saber na promessa de nunca se esquecer, não é um sujeito que lida com a fronteira. A ciência quer um espaço para marcar terreno na exclusão. O que vai dar num belo casamento com o Império do Capital. O sujeito da ciência em replicar um empirismo, descartando a singularidade de uma experiência, casa com o mais gozar do mercado. Mercado que paradoxalmente vende para tamponar a falta que pede mais, e assim silencia a dúvida.

A mãe filosofia tem outras crias, há uma possibilidade até de querer saber da linguagem, o que vai permitir Lacan se virar para o sujeito do inconsciente. Um sujeito que implica incialmente um não querer saber, todavia na fala revela a mensagem do desejo. Passagem para querer saber fazer com o imprevisto da experiência numa análise, no lugar do imperativo da empiria cientifica.

Há uma herança do sujeito da psicanálise, principalmente do equívoco e das impurezas que a ciência e a filosofia não queria escutar. Para receber o significante que lhe pertence o sujeito deve ser escutado por uma lógica outra. Sujeito dividido apresenta uma outra cena, um saber que não comporta em um conhecimento datado, mas sim uma experiência não contida em livros, apesar de passar pela letra. Se há um ensino de Lacan sobre o campo freudiano, esse ensino passa pelo que suporta uma transmissão de uma análise. O sujeito lacaniano é herdeiro da cisão do Eu freudiano labuzado em palavras antitéticas.

A aposta do sujeito lacaniano é um casamento do campo freudiano; os chistes, os sonhos, os atos falhos com um excremento da linguagem, a ciência de Saussure deixa um resto que reverbera na escuta de Lacan sobre o falasser. O sujeito lacaniano advém da cadeia de significantes que lhe pariu. Numa análise o sujeito é dirigido a se haver com os significantes que te deram, herdar com propriedade a saliva da lambida, um significante apresenta o sujeito para outro significante.

Mas porque insistir na pronuncia “sujeito lacaniano”, no lugar de falar sujeito do inconsciente, ou sujeito para a psicanálise, ou sujeito freudiano? O sujeito é do inconsciente, estruturado como uma linguagem, marca uma diferença clínica. A Aposta desta estrutura subverte a direção do tratamento. O sujeito lacaniano implica numa interpretação outra, de outra cena, e outra lógica.

Tal escuta é herdeira de uma posição subversiva perante a mesmice e controle de fronteiras da prática psicanalítica dos pós freudianos, dos herdeiros explícitos de tempo cronológico angustiados pela cura, o mau dito furor sanante.  A escuta da subversão do sujeito da psicanalise só foi possível devido a inquietude do sujeito Lacan. Ele não cedeu o seu desejo de analista, para escutar a altura dos significantes do sujeito falante.
         
          A prática de uma clínica diz da reverberação de uma lida e de como lidar com a teoria. O que se chama paradoxalmente de técnica psicanalítica, que encontra apenas uma regra; a equalização de causa e efeitos da associação livre e a escuta flutuante. Não ocorre de flutuar mais do que a capacidade de associação, uma é um só depois da outra e nem de uma pratica empírica que se repete sem se implicar. Há sim uma transmissão de uma experiência, escuta o sujeito que foi escutado.
         
         Esse jogo da regra fundamental cabe ao psicanalista tocar e ser tocado pela fala. Análise como uma experiência de fazer o outro se escutar, topar o enquadre, o material da fala, isto é a linguagem para apostar também chegar até o seu ruído (A instancia da letra no inconsciente). O inconsciente como letra igualado ao significante até a sua lalação, a aposta numa musicalidade. Aqui o jogo de interpretação ocorre entre o sintoma e o desejo, seria um o só depois do outro?
         
           No seminário 18 sobre o Semblante, Lacan já sugeria para não ocorrer a prevalência da letra sobre o significante, da metonímia pela metáfora. Como se uma análise só ocorre pela interpretação da letra sem o acolhimento das palavras, e muitas vezes da pobre metáfora do sujeito em questão, para chegar o ruído há espaço para se enjoar de escutar a melosa melodia que nas brechas aponta o sujeito. Isso já é a velha dica de que não há interpretação sem transferência.

     Vale a crítica de Lacan a interpretação de Perelman a metáfora aristotélica sobre ao anoitecer igualado a velhice do homem. No apêndice II dos escritos intitulado de A metáfora do Sujeito, Lacan afirma que “apontar a desorganização constitutiva de qualquer enunciação não é tudo” (p.906), não só por mostrar o recalque “do que há de mais desagradável na metáfora” (p.906), mas também por fechar o sentido, trocar um pelo outro, calando a boca da metáfora.

 Responder o enigma da esfinge sobre uma escuta metafórica é manter o sintoma, Édipo responde ao seu sintoma de morte de envelhecer da bipedia e ficar em estado tripé. Responder ao enigma da esfinge pela interpretação metafórica lhe deixa surdo aos apontamentos metonímicos do oráculo para o desejo. A metáfora faz uma substituição, numa negativa do próprio sintoma, do que pode advir o desejo.
  
   No mesmo Apêndice II há um a indicação da direção da escuta do sujeito em seu deslocamentos da linguagem o papel da metonímia de suporte do desejo, só pode ser escutado, ou abarcado pelo suporte da metáfora. Ou seja o sujeito quando afirma “Eu minto” é de uma verdade legitima para uma condução do desejo que não entra na escuta das ciências.
        
       O sujeito nasce não é aquele em que o discurso se enuncia, mais precisamente naquele que escuta. A interpretação está mais para causar efeitos de escuta no outro tempo do enunciado. Associar e flutuar para fazer o falta-ser falar mais. Por isso não cabe um jogo de metáfora para metáfora, a metáfora do sujeito com uma escuta que retorna com outra metáfora não abre o sentido.
  
Cabe a interpretação acolher e questionar; uma virgula, uma diferença sonora de entonação, fazem o deslocamento e questionar ao sujeito o que fazer com os significantes que lhe deram. Se eles fazem questão ou desloca para outra letra, outro litoral. Lembrando que não é a interpretação literal em análise mas litoral, entre encontros de território. O sujeito lacaniano é litoral, do ritmo a melodia do que uma dia lhe falaram e falhou, esburacou para um dia quem sabe bem dizer o sintoma.
          
       Se ler os seus Escritos Lacan adverte para os leitores darem algo de si, passar próximo da experiência da análise, não há como acumular lacanes e sobreviver, lacanes no mínimo dá numa sobre vida. Se Lacan tem francafonia, o que resta de sua transmissão seria apenas traduzir, ou também cabe criar?
   
A interpretação a altura do sujeito, passa pela altura da língua as fonias do português é necessária fazerem falar a psicanalise, ela falar fonicamente a língua terrena. Lituraterra é uma regra de encontros e desencontros da tarnslingua do inconsciente. Que sujeito é o leitor de Lacan? Aquele que faz das tripas o coração? Nessa metáfora ao pé da letra, da barra do sujeito barrado, esbarra litoralmente dar algo de si na travessia dos escritos falantes de Lacan. Algo de uma passagem da escrita franca (Lacan francês) entre saber e verdade, para um português transcriado. Lemos com Lacan e sem ele Gide-moedeiros falsos, Sade e Joyce, mas Lacan não leu nossos Guimaraes. Barros, Cacasio, Cardoso, e Andrades.



*Trabalho apresentado no congresso da UERJ em novembro de 2016 sobre os 50 anos dos Escritos de Lacan
EIXO TEMATICO: O sujeito lacaniano
AUTOR: Hélio H. Q. Neiva ( Membro da Fazenda Freudiana de Goiânia, mestrado em Psicologia Clínica e Cultura pela UNB. Email: neivahelio@gmail.com )

terça-feira, 2 de maio de 2017

"Quem quer atrair os cantos dos passarinhos não faz xó”

"Quem quer atrair os cantos dos passarinhos não faz xó”

Será que apenas o fato de dar nome aos bois faz eles mugirem? Até parece que dessecar um conceito da psicanálise faria o conceito falar e desvelar sua verdade. Mas ele não aparece de forma própria na formalidade geográfica, e não se dita da boca para fora; a página, o livro e a época de sua nomeação achando que é capaz de saber as coisas. Seria a contextualização do conceito capaz de ser apropriado pela fala de quem quer falar dos fundamentos da psicanálise. E como será que nasce um conceito em psicanálise?

Parece que nasce da boca do analista, no caso bem nomeado, da boca de Freud. O que será que Freud escutou que deu para nós nomes e conceitos, o que fez sua escuta bem dizer o conceito, que é tão caro e querido na transmissão da psicanálise? O que um analista escuta na análise que faz pulsionar a própria voz; se pulsionar a seu silêncio, se pá num ato, e porque não pulsionar uma interpretação e a construção em análise.  O que Freud quis dizer ao fazer furo no real com algo da ordem do pulsional?

 Pensando a questão do conceito em psicanálise retomei uma pergunta, que até o momento desconfio que vai me carregar uma vida; a questão do que se escuta numa análise. Não foi ao acaso que na minha repetida leitura do seminário onze; Os quatros conceitos fundamentais da psicanálise, algo novo me pegou. Uma surpresa que quer desvirginar um significante, precisamente na fala de Lacan intitulada; A presença do analista, ele abre sua fala com a frase que se encontra numa caixinha de fósforo: “A arte de escutar equivale quase à de bem dizer” (p.123). Há aqui uma passagem de uma arte para outra, e também o seu retorno. Para nomear há de se escutar, para quem sabe outro nome isso pode dá, afinando os fonemas e até as vistas. De bem dizer a leitura muda, a o que Alain Didier-Weill aponta como a arte da tirada espirituosa que dá vida a palavra morta.

Ao propor questionar o que seriam os conceitos fundamentais da práxis da psicanálise, Lacan nomeia quatro como fundantes. Quatro que giram e escutam a transmissão da psicanálise, que fazerem parte dos bens do psicanalista, se acaso bem dizer deles. Lacan questiona os conceitos para que os fundamentos não entrem em um fundamentalismo, assim o que torna algo teórico é a capacidade de reinventar sua prática. A nomeação desse quatros são a saber; inconsciente, repetição, transferência e pulsão. Mas o que se sabe deles?

O primeiro com o tempo da psicanálise na cultura virou quase sinônimo de Freud. O inconsciente é diretamente ligado à psicanálise, mas um nome que existia antes da descoberta freudiana pode ser facilmente transformado em dados fora do acampamento freudiano. Lacan chega a diferenciar o inconsciente de Freud, até onde esse conceito se fez da clínica e da psicanálise, ao o que Lacan chamou de “nosso inconsciente”; o dito estruturado como uma linguagem. Com tempo cronológico de repetir essa máxima, também algo se perdeu da potência clínica da sua elaboração teórica. O que querem, os lacanianos dizer quando se dita inconsciente estruturado como uma linguagem, muitas vezes, padecem da experiência de falar em análise. De escorrer a cadeia de significantes, fazem ditadura do conceito como se fosse possível evitar o tropeço. Felizmente a experiência da análise faz o analista se mancar, para quem sabe, andar de novo sobre o apoio dos tropeços.

O segundo conceito, o de repetição, é mais uma surpresa da leitura estilosa de Lacan sobre a obra freudiana. Parece que se jurava que viria o recalque, mas na suspensão do material recalcado do que fizeram da teoria psicanalítica, Lacan nos revela o poder da repetição em análise. Um nome que também há fora do campo psicanalítico, mas não impediu Freud de revelar sua importância na experiência da escuta do sintoma do falasser. Quem fala já não está mais engolido pelo eterno retorno da religião de Gaia, como se fosse possível pôr a culpa num instinto (- Não fui eu quem matou o outro; foi o meu veneno, ou minhas garras, ou meus caninos afiados).

Quem fala tem na falta uma responsabilidade a repetir, se encontrar a repetir pelas palavras que se apropriam do faltoso ser. Do recordar, repetir, elaborar até a compulsão a repetição, contorno do não realizável. Repetir a falar de como se dá conta deste real, que parece que não dá para ninguém, pelo menos não de frente. Um real que se dá nas voltas, como aquilo que retorna ao mesmo lugar.

Sobre a transferência até um tempo recente achava que era um nome só da psicanálise, talvez acreditava que só com ela se fazia transferência. Seria uma doce ilusão histérica de querer desejar o desejo do pai Freud. Se sabe que na experiência a transmissão da escuta vai além de Freud; se Freud deu a escutar o gregos, quem sou eu para não ficar de quatro com Sócrates, se entregar ao banquete-bacanal sobre o amor carnal-dá-alma?

Numa pequena anedota clínica, na primeira entrevista preliminar, uma potencial analisante, que nunca ouvira falar em psicanálise, questiona a forma de pagamento. Quando pergunto como ela gostaria de me pagar, ela responde rapidamente: “Quero pagar por transferência.” Me peguei aos risos, pois nesse momento percebi que há também a transferência bancaria, portanto ela estava certa. Ela sabia sem saber que sabia, que só há pagamento válido se houver transferência. Na cultura há vários momentos transferências, mas o acolhimento dela na psicanálise marca diferenças.

Diferente de um banco, a psicanálise não trabalha com a alta do dólar, pois o acolhimento em psicanálise não se trata em dólar o sofrer, e muito menos em meter a colher onde não é chamado. Agradeço já aqui a escuta de um querido amigo, ao mostrar a questão da letra, na ainda mal dita palavra acolhimento, (a) negação de colher. Por isso, para bendizer o acolhimento, parto do método curioso de Freud, numa busca de ser freudiano, recolho a origem etimológica da palavra. No dicionário Lexikon de etimologia acolher é um verbo com o sentido de dar acolhida a, hospedar, recolher, de origem do latim accolligere. O dicionário morre ai, mas o que a origem do latim esconde foi necessário outra busca; accolligere deriva da palavra em latim colligere (Coletar, montar, trazer; obter, adquirir, montar, acumular). Colligere por sua vez deriva de outra palavra latina legere (Ler; coletar e reunir). Como se não fosse suficiente, legere do latim deriva do grego legein que é o verbo falar, que tem sua raiz leg- na língua indo-europeia; que é tanto prefixo para falar quanto para colher, colher a falar.

No acolhimento se trata de colher a fala, os sintomas, os efeitos dela no corpo, suas falhas e os nomes. Acolher implica até uma forma de receber e ler aquilo que se coleta da fala do sujeito, que se contorna por outras nomeações causadas pelos efeitos da escuta do desejo.

Admito um susto diante da leitura dos textos de Freud; que persistem em me causar efeitos de surpresa e sideração, que causa efeitos de mais ainda, paradoxalmente quando acho que não dou conta...quero mais. Na inicial leitura de Psicopatologia da Vida Cotidiana, me peguei atento ao fato que Freud decide fazer um livro com coletas de atos falhos e lapsos, ele as coleciona fora dos seus atendimentos clínicos. Uma persistência de Freud em escutar o inconsciente e principalmente de receber aqueles que querem lhe contar o que esqueceram, mesmo que seja fora do set analítico.

Freud sabe tocar o instrumento que se propôs a inventar, principalmente porque no exercício da escuta psicanalítica ele toca e é tocado por ela. Tanto que se propõe, em plenas férias de verão da sua clínica, ajudar um jovem rapaz a retomar o porquê do esquecimento de um pronome em latim; aliquis. Sua única exigência é que fale sinceramente e sem nenhuma crítica tudo que ocorrer sobre a palavra esquecida. No desenrolar da própria interpretação do jovem esquecido, ele liga a palavra estrangeira com texto de Santo Agostinho sobre as mulheres – em seguida ao São Januário – para retomar o ritual do milagre impaciente de assistir o sangue do santo se liquefazer – até pensar, para em seguida dizer, sobre a preocupação com a dama em que teve relação sexual e na possibilidade do sangue que ainda não liquefez. Esqueceu para ver se não nascia algo da ordem do inesperado.

Mas para chegar a este ponto, Freud se coloca no lugar de espera da associação do jovem, que insiste em querer fazer parte da coleção e investigação freudiana. Freud chega a propor que se for difícil falar, não precisa ser naquele momento. Pois é impossível forçar a falar, mas quem sabe questionar. Como pedir um tempo, num até então simples conversa com um conhecido companheiro de viajem, um tempo para se abrir e para colher o que conseguir falar. Faz até a viajem passar por outro lugar. E Freud não estava de férias de verão!? Que força constante é essa que não para de colocar Freud a investigar o inconsciente e acolher a fala?!

Parece que esse lugar do analista é invocado, independente do horário e das férias, com um lugar privilegiado quando é dado pela fala do analisante no set de análise. Até o momento os conceitos de inconsciente, repetição e transferência, apesar dos nomes estarem na cultura como outra coisa, é de Outra coisa que se utiliza deles na análise, outra cena além das encenações do cotidiano. Algo que pulsa o ouvido a escutar, mexer a boca, para quem sabe o suposto sujeito obtenha fala. Por falar em outra cena, que obsceno conceito é a pulsão, sempre me fez questão essa nomeação. Que diabos de nome é esse Trieb! De que tribo Freud o invocou para falar do que escuta e vê, caga e fala, é vida e é morte.

Conceito que parte de uma experiência clínica; clínica porque advém de uma modernidade que acredita em um espaço que hospeda o sofrer, que acolhe os acudidos de algum sofrimento, e experiência porque o desvelar do sofrer mostra outros espaços para além da hospedagem dos abatidos. Muitos abatidos de um mal entendido, que achavam que a dor física não teria metas e linguagem. Como se o corpo não estivesse metido na própria língua que o fala, o corpo se torna alvo e fonte desses ditos de um tempo pragmático.

Tais corpos tomam formas submetidas a um saber dominado pelo poder hospitalar. Como bem alerta Foucault no livro O Nascimento da Clínica; a medicina surge para afundar o sofrer sob uma linguagem especifica e apenas falada por aqueles que dominam o grego e o latim, assim não permitiria o acesso da experiência de cura para o doente, lhe era impossível nomear com sua própria língua o que sentia.

Antes da fundação do saber médico, se hospedavam os viajantes, sujeitos de outras doença e outros nomes, que no processo de cura e acolhimento da hospedagem podiam dizer pelo que passaram. Assim estavam presentes para acolher os de fora, outros estrangeiros do próprio corpo, que consequentemente com o tempo, saberiam dizer do que sabiam.

Quando algo nasce, como o conceito de pulsão, há de que nomear isso, com certeza não para domar, mas para passar um dom da experiência de escutar, dom porque não se ganha sem doar da própria carne. E como Freud sacou o nome pulsão do bolso, parece que ele foi abatido por tal conceito na sua escuta, na sua transa com a própria psicanálise, uma transa constante, Konstant-Fick. Se as nomeações, que vem da língua alemã de Freud, sofreu consequências da traição de traduzir Trieb para o inglês Instinct, porque será que a experiência da análise não invoca nomes da própria língua local por onde a psicanálise dá presente? Nomes dados pela zona erógena por onde a psicanálise excita psicanalistas em sua transmissão.

Se no presente a psicanálise se dá no Brasil, basta fazer estatística de congressos e dos estrangeiros que vem falar da transa deles com ela todos os anos, ainda há tempo para ficar servindo da traição? Com traduções atualíssimas, ditas direto do alemão que mantem o instinto esperando que isso pulsione um saber já sabido. Porque foi previamente lido pode se jogar no lugar do analista sem conflito? Amarga ilusão trocar o saber instintoido no lugar da experiência clínica, lugar que conta com um saber inventado pelo próprio sujeito, até então falado e que quer passar a falante. Digo o instintoido para nomear instituição instituída na base de um conceito biologizado como o instinto, ilusão positivista para garantiria uma saber que não precisaria passar pela experiência, já que a pulsão é da ordem de uma transmissão.

Experiência que modifica as formas, forminhas de estudo, torções de como se lê o texto freudiano; acho que é por ai que nasce um estilo. Lacan nas páginas iniciais de seu Escritos já convocava os bem aventurados a se colocarem um tanto de si nos deslocamentos da leitura de seu texto, se afetar pelo objeto a, aquele que há como causa de desejo. O dom de escuta viria de dar algo da própria carne. Pulsão pulsa para quem anima sangrar. Passagem do latim para o liquefaz, a pulsão invoca para aqueles que arriscam furar o próprio instrumento da fala, se fazer flauta.

Quando Eduardo Verano no seu livro; O Nascimento da clínica (xará de Foucault) propõe dar a psicanálise a linguagem de Goiânia, fazer ela falar pelo goianês, ocorre uma provocação de invocar a falar a própria língua do saber caipira. Fazer o sujeito em goianês cair e pirar, já que é da experiência do corpo falante que a clínica psicanalítica nasce, uma clínica que nasce de um melhor dito do que a denúncia de Foucault. Pois parte de que o saber está em quem fala para dizer do que sofre.

Há aqui um acolhimento, colhimento das palavras, que me tirou da ilusão de que psicanálise só falava alemão e francês.  Na verdade nem nas metrópoles cosmopolitas do país se precisa ir para se fazer cair e deslocara do sofrer para o falasser. Não é fugindo do país que se troca de pais. Fazer falar na língua materna em análise é cair pai e mãe, joga-los do balde mas mantendo a água. Um banho que permite que o sujeito pira nas surpresas da escuta que não encerra de pulsar, há um mais ainda dá própria conta. O instrumento de buracos surge, e o acolhimento não é de colocar os dedos onde não é convocado a tocar. Mas sim pela escuta que se toca, por um som que se liquefez o ser alguma coisa para alguém. Seria ocupar esse lugar que a pulsão invocante invade o analista e de repente o que era cê(é)errado se fez diversidade em cerrado. Um ser-errado é inventado, parido das invocações do desejo e acolhidos na análise.

Para melhor dizer sobro acolhimento e a pulsão invocante recorro as artes, que mesmo na traição da tradução, conseguem afetar qualquer falante na mais ordinária que seja sua língua de origem. Na peça Hamlet de Shakespeare, após o corte da encenação dos atores para a côrte da Dinamarca, por terem provocado mal-estar ao Rei, tio de Hamlet, vieram os músicos para esquecer o mal provocado pelo teatro. Mas para Hamlet a música veio para celebrar a descoberta da verdade, o desvelamento pelos efeitos da náusea do Rei ao ver o que seu sobrinho sabia. Hamlet se coloca a tocar a flauta com a chegada dos músicos. Todavia o Rei já desconfiado do saber de seu sobrinho, havia convidado dois “amigos” de Hamlet para investigar e arrancar as palavras da boca do príncipe, assim seria possível acusa-lo de louco e envia-lo para terras estrangeiras.

No momento musical, Rosencrantz e Guildenstern, procuram arrancar as falas de Hamlet, não conseguem conquistar a confiança do príncipe. Ainda mais por não toparem o pedido para que toquem com ele a flauta, para que se toquem e assim permitam receber o que ele tem a falar. Guildenstern se acusa, em falsa humildade, que não sabe tocar o instrumento; lhe falta perícia. Como resposta em cólera Hamlet revela:

HAMLET: Pois veja só que coisa mais insignificante você me considera! Em mim você quer tocar; pretende conhecer demais os meus registros; pensa poder dedilhar o coração do meu mistério. Se acha capaz de me fazer, da nota mais baixa ao topo da escala. Há muita música, uma voz excelente, neste pequeno instrumento, e você é incapaz de fazê-lo falar. Pelo sangue de Cristo!, acha que eu sou mais fácil de tocar do que uma flauta? Pode me chamar do instrumento que quiser – pode me dedilhar quanto quiser, que não vai me arrancar o menor som... (p.82)
           
          Para se ocupar do lugar do analista e fazer presente a abertura do inconsciente, tem que se tocar que há uma música em cada um que elege um analista para poder falar. Seja o instrumento que for, o analista deveria no mínimo se lambuzar, acolher; o torto e a fala errada. Se mancar em tropeços que permitem direcionar a dissonância. Para onde? Para onde a música levar. Isso não é fácil, por mais que parece que todos falam português, tem algo que faz cada sujeito falar uma outra língua, desconhecida até mesmo para o próprio falante; a lalação não faz parte da erudição. Nisso a analista tem que topar ser invadido, por uma libido, um investimento, uma escuta quase alucinante advinda da pulsão invocante, repito, isso não é fácil. Quem dera ser invadido em cada sessão e com todos que procuram analise.

Ainda mais no tempo pragmático de estudar, para ver onde tudo isso dá. (Aí, que vontade de ler e controlar o instrumento, nomear as notas, antes que elas me notem!) Ainda bem que carrego a preguiça que e ao mesmo tempo me atiça a esperar o tempo de escuta. Parece que o acorde só acorda para aqueles que estão de acordo a dedilhar com a própria carne, fazer buracos soarem o bendizer. Há o tempo ao tempo de ler, de colher e quem sabe nomear com a própria língua. Como benpoetizou Norton em um seminário na Fazenda Freudiana; “Quem quer atrair os cantos dos passarinhos não faz xó”.

Hélio Neiva* 
*Primeira oficina que realizei na Fazenda Freudiana de Goiânia, sobre a direção de formação de Eduardo Verano


BIBLIOGRAFIA:
DIDIER-WEILL, A. Nomes-do-pai. Ed. Contra Capa, 2015, Rio de Janeiro-RJ.
FREUD, S. Psicopatologia da vida cotidiana. In: Obras Completas de Sigmund Freud, Vol. VI. Ed. Imago, edição standard brasileira, 1996: Rio de Janeiro-RJ.
ISRAEL, L. Mancar não é pecado. Ed. Escuta, 1994: São Paulo-SP
LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatros conceitos fundamentais da psicanálise. Ed. Zahar, 2009: Rio de Janeiro-RJ.
MICHEL, F. O Nascimento da Clínica. Ed. Forense Universitária, 2006. Rio de Janeiro-RJ
SHAKESPEARE, W. Hamlet. Ed. L&PM, 2014. Porto Alegre-RS.

VERANO, E. Psicanálise: o nascimento da clínica. Ed. Cânone Editorial; Fazenda Freudiana de Goiânia, 2006. Goiânia-GO.

domingo, 23 de abril de 2017

Esquecer/Repetir/Estilo

Esquecer/Repetir/Estilo



      Cercar o conceito de repetição é ao mesmo tempo mapear o que vem a ser o conceito, e tratar do desenvolvimento da clínica psicanalítica. Desfazer seus traços e desligamentos com início histérico da prática hipnótica. Como aponta Cabas (2009), o fenômeno da repetição “... trata-se de decifrar um fenômeno clínico que tem conseqüências teóricas e ressonâncias epistêmicas” (p.74). Cercar na possibilidade de percorrer o caminho de Freud perante a criação do conceito como um fenômeno explicitado na clínica, e não na totalização das possibilidades de suas ligações, que podem ser diversas. Tentarei, no entanto, ligar a repetição com a ideia de estilo. Pensar que o estilo diz sobre uma repetição; seja a formação de uma cidade e seus habitantes ao ocuparem o seu espaço, seja na produção de um texto ou na fala, e porque não na experiência estética. 

     E porque não o estilo da transmissão psicanalítica? Qual seria o estilo goiano de transmitir e se apropriar da psicanálise? Saindo do condado de Goiânia, na busca da escuta e desejo de saber sobre a psicanálise. Há em outros espaços uma transmissão outra? Era de se esperar um estilo de cada região na forma de transmitir e produzir o conhecimento psicanalítico.
          Foi agradável perceber que cada lugar se coloca em sua repetição, mas que gira os significantes diferentemente. Repetem-se nos seus próprios umbigos do sonho, um sonho a vir a ser Viena, ou quem sabe uma Paris. Repetindo um espaço propenso para o surgimento do sujeito do inconsciente, possibilitando pensar uma psicanálise próxima, mas que ao mesmo tempo repita a de Freud e a de Lacan; não nos seus estilos, mas sim nos seus fundamentos, louco isso! Como repetir sem copiar?
           Na abertura da coletânea dos Escritos, Lacan repete uma frase de Buffon: “O estilo é o próprio homem”. Mesmo afirmando que definir o que o homem pode trazer vários problemas teoricamente. Lacan endereça o estilo ao sujeito do inconsciente, estruturado pela linguagem. Portanto, o estilo refere-se ao inconsciente, que se estrutura na falta causadora de desejo, falta dada por uma relação simbiótica perdida. Desta forma, um estilo é direcionado a Outro, que não faz a relação sexual em finitude, não vai completar o sujeito, permitindo assim a dúvida e a busca do saber. 

          É possível afirmar que o estilo é o sujeito que deseja saber. Como o desejo implica um outro na relação. Ao convidar a leitura e expor seu estilo Lacan (1966), chama o leitor para o trabalho singular no trajeto de seus textos: “Queremos, com o percurso de que estes textos são os marcos e com o estilo que seu endereçamento impõe, levar o leitor a uma conseqüência em que ele precise colocar algo de si”. Para colocar algo de si, temos que repetir, nem que seja com outras palavras, já que repetir não é somente reencontro, ou refazer a mesma coisa ou do mesmo jeito, e sim ser capaz de estruturar e se enlaçar num pensamento. Há possibilidade de dar forma, de se inscrever na falta com estilo.
         Para Cabas (2009), "O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan", o sujeito freudiano necessariamente se torna sujeito pela condição de poder repetir, não apenas reproduzir uma mesma situação, mas sim algo que retoma e constitui o sujeito. “... o imperativo da repetição incide no processo da constituição subjetiva e é determinante na consolidação da posição do sujeito”. A respeito da repetição, Cabas (2009) ressalta a necessidade de diferenciar suas duas formas: a repetição inconsciente e a compulsão a repetição. A segunda forma trata de um imperativo pulsional, de uma repetição não direcionada que busca no ato refazer algum laço simbólico. Já a repetição inconsciente para Cabas é um fenômeno que se objetiva, é o limite do progresso da cadeia associativa, tal livre associação:
Só vai até o ponto em que as cadeias associativas tomam a configuração de uma trama que envolve um conjunto de relação simbólica. Por sinal, profundamente solidárias ao conjunto das preocupações do sujeito. Seja como for, o certo é que, em um dado momento, as associações ideativas iniciam um curso inverso: os fios associativos cessam de expandir-se e começam a confluir em um ponto único (Cabas 2009, p.78).
          Este ponto único, plausivelmente ligado com o eterno retorno de Nietzche, é onde o trabalho atinge o seu máximo, até onde é capaz de dizer do real, não tendo outra opção senão repetir na foram de um ritornello, como mera repetência, “um ponto cego que não remete a nada mais senão a si próprio”. Lacan pega emprestado o conceitos de autômaton de Aristóteles, essa insistência dos signos comandados pelo princípio de prazer, mas que no máximo se repete envolta no limite do simbólico, repete no umbigo do sonho.
         O umbigo no qual o significante roda. Há um ponto para além do simbólico, mas que ainda demanda uma exigência pulsional, abrindo espaço para a compulsão a repetir, por não estar ligado a nada que o simbolize. Nesse nível de repetição não simbólica, não está situado no nível da elaboração, não conseguindo ir além da fala elaborada do analisando. Já a repetição  que está no nível da tique, que ultrapassa o princípio do prazer, e se depara com o real, com o “não pensar” (Fink 1997), e sim com o saber próprio do inconsciente.
         O surgimento do fenômeno da repetição, como um dos quatros conceitos básicos da psicanálise, só foi possível pela persistência freudiana na eficácia de uma clínica até então objetivada numa idéia de cura, “tornar consciente o que é inconsciente”.
          No ato de Freud de refletir sua clínica perante o imperativo do real, “Freud avança sustentado por certa relação a seu desejo e pelo que é seu ato, isto é, constituição da psicanálise”(Lacan,pg 53). Repensar o que se apresenta na sua clínica diante das frustrações de suas interpretações. Portanto a repetição é uma questão que se apresenta no erro de dois métodos anteriores.
              No texto de 1914, "Recordar, repetir e elaborar", Freud retoma a primeira fase do que viria a ser o método psicanalítico: a hipnose e a catarse, possibilitando o paciente recordar e ab-reagir no estado hipnótico, porem a eficácia deste recordar não permanecia no despertar. Aparentemente o recordar servia para fundamentar a interpretação do analista, que ate então não contava com o manejo da transferência, se servindo preguiçosamente de reconhecer a gênese do sintoma do paciente, sem se haver com o “torna consciente”. Mas na busca de um método mais eficaz, numa segunda fase do tratamento, Freud abandona a hipnose e a troca pela associação livre, pra descobrir na falha o que o analisando deixava de recordar. Inicia um trabalho da interpretação contornando a resistência. Para Freud, tal técnica sistemática mantinha um objetivo bem claro, ele descrevia como uma forma “... de preencher lacunas na memória, dinamicamente, é superar resistências devidas à repressão.”
              Todavia, Freud não nega a importância do método hipnótico para chegar ao método psicanalítico, ao se confrontar com seus erros seu ato possibilitou criar a psicanálise, e faz bem ao mostrar os passos tomados e a importância dos tombos levados, isso diz de um estilo do Freud, sempre retomando dos seus tombos. Ate então, a pergunta que intriga seu tratamento é como recordar e a melhor maneira de obter o que não se quer lembrar? Ao mesmo tempo como expor para o analisando o que ele não quer lembra? Parecia que ao interpretar as resistências viria à tona, sem sugestão, todas as lembranças. Mas o esquecer que era tão normal, aparentava para a histérica que o tempo parava.
             No texto de 1914, o que se repete, até então, é a condição do sujeito de se organizar, para Freud o paciente “... repete tudo o que já avançou a partir das fontes do reprimido para sua personalidade manifesta.” Portanto repete também os seus sintomas, no processo do tratamento analítico, se inscreve com seu estilo na clínica.
                A possibilidade de estrutura o possibilita repetir ao mesmo tempo o fato de repetir o possibilita estruturar a pulsão a uma compulsão em linguagem. Essa repetição ligada ao princípio do prazer se apresenta como possibilidade mais fácil de pensar o estilo é o que nele repete, seria o limite de dizer do real que se repete no estilo. O estilo que não esquece, ele mantém o tempo do inconsciente se escrevendo no real. Na escrita, principalmente, reflete o limite do dizer do sujeito, não pondo algo além da sua capacidade de simbolizar o real.
                Mas no âmbito da tique, o estilo pode repetir-se não apenas no pensar, um estilo esquecido até então não contornado e controlado pelo pensamento. Algo próximo da escrita intensa de William Burroughs e Henry Miller. Miller desejava uma máquina de escrever que digitasse na velocidade de suas idéias, desta forma não esquecer nada que lhe vinha à cabeça, o primeiro ditava que toda forma de racionalização compromete o estilo livre. Já Lúcio Cardoso, que escrevia compulsivamente, uma vez afirmou que com tamanha carga interior se não fosse escritor, seria assassino ou um louco. Quando um acidente vascular cerebral o impediu de continuar escrevendo, tornou-se pintor.
             O que prova que a escrita e a loucura não era o fator ligante em sua produção, como provavelmente era nos outros dois escritores citados. Lúcio passou a falar em imagens o que já não podia escrever em palavras, manteve a repetir o gesto de repetir o seu estilo, sua capacidade de simbolizar o mundo, o importante era poder repetir.
           Voltando à questão ambígua de Goiânia, que assim como a pulsão está entre dois lugares, entre um estilo provinciano e um espírito cosmopolita. Que parte do autômaton está inscrito na transmissão da psicanálise da cidade, e que tique rodeia essa compulsão de buscar lá fora o saber e muitas vezes, conseqüentemente, um estilo importado? Será que há uma compulsão a repetição por um objeto perdido? Quem sabe esse objeto que completava, respondia e ditava o nosso estilo não é reminiscências dos bandeirantes. O fato de escrever nessa primeira jornada é um importante inicio de repetição, autômaton, de elaboração de não esquecimento com o compromisso com o desejo de saber do Inconsciente. E de compulsivamente não saber onde isso vai dar, ainda, apenas repetir para organizar um estilo.
Bibliografia:
ARRIVÉ, M.Linguagem e psicanálise, lingüística e inconsciente: Freud, Saussure, Pichon, Lacan. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999
BURROUGHS, W. S. Almoço nu.Coleção: Circo de Letras. Ed. Brasiliense s.a. : São Paulo. 1984.
CABAS, A. G.  O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da questão do sujeito ao sujeito em questão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009
CARDOSO. L. Crônica da casa assassinada.12° edição – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
FINK, B. A causa real da repetição. em: Para ler o Seminário 11 de Lacan: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise/ Richard Feldstein, Bruce Fink, Maire Jaanus 9orgs.)-Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar ( Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise II). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. -Rio de Janeiro: Imago: 1996.
LACAN, J. Escritos. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
________. Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
MILLER, H. Trópico de câncer. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

*texto de Hélio Neiva. Apresentado no primeiro módulo da formação básica e cheia de devir, do que vinha a ser o corpo freudiano de Goiânia, com a presença do querido Marco Antonio Coutinho Jorge

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Deus é o Inconsciente, Desejo é o Diabo. Para Exú a pulsão

Deus é o Inconsciente, Desejo é o Diabo. Para Exú a pulsão

  Uma vez me disseram que num lugar Lacan afirmou que o Inconsciente é Deus, com um bom medroso me horrorizei diante de tal afirmação. Será que o francês queria dizer que o inconsciente é onipresente e existia antes de mim? E para piorar, ao mesmo tempo estava em mim, quer eu queira acreditar ou não nele? Pois é o inconsciente o que não se apreende. Não se pode apontar seu tempo e espaço e assim reproduzi-lo. Mas se presentifica em suas formações, muitas vezes mais como horror do que em milagres. Principalmente para aqueles que não querem saber disso, que não querem escutar o Isso. O inconsciente se apresenta em sonhos, atos falhos, lapsos e chistes, ou seja, em linguagem. Falou dançou, ou no ritmo ou fora dele, isto é, mesmo não querendo saber disso o Isso a de persistir.


  O Isso (uma forma econômica para falar do Inconsciente e até mais sonora) atravessa qualquer ser falante, basta que alguém escute o atravessamento para descobrir que o que deseja nem sempre é isso. Por isso o inconsciente é um terceiro atemporal, não segue uma hora da consciência para se apresentar. A psicanálise no máximo existe para escutar suas apresentações na fala,  que escapa da maldita controlada razão da consciência. Mas o que escapa, e escapa de quem em?

  O que escapa é um conteúdo até então recalcado. Freud foi experto ao chamar o recalque de pedra angular da psicanálise. O que me faz lembrar uma gangorra que se balança num ponto fixo, que por mais que se tente na brincadeira um equilibro, alguém vai dar com a bunda no chão para o outro seguir nas alturas. O recalque seria uma promessa de um equilíbrio que falha. Seguindo Deus é o inconsciente, o recalque seria uma espécie metafórica de São Pedro na porta do céu, que tenta garantir que o que faz o mau, o mau-dito que provoca mal-estar, não passe pela porta. O conteúdo e as memórias passem somente de forma disfarçada, quase como anjos. Como se a memória e a história do sujeito falante não houvesse sexualidade, tudo limpo e organizado pelo "bem é os bens" da cultura. Mas mesmo disfarçados os anjos pecam, principalmente porque tem um primeiro que caiu e se mostro no sexo. O que chega a outra afirmativa lacaniana: O diabo é o desejo. 

  As parideiras da psicanálise (as histéricas) com  o criador dela (Freud), já afirmavam o Isso e suas relações diabólicas. Na história da histeria, seus sintomas e seus apontamentos da verdade, falava de um desejo e da sexualidade. Que ao longo da civilização muitos não queriam saber, o que muitas vezes tais sintomas serem nomeados de bruxaria, que fazem um pacto com o diabo e depois sofrem pois fica a pergunta: O que querem de mim? Histéricas que fizeram pacto com o desejo, pois haveria uma força maior que a cultura que quebrava as regras da moral cristã. 

  Mas que força é essa que não para de rebater na porta de São Pedro? Algo que escapa na fala do sujeito mostra sua sexualidade que cutuca o desejo. Porque por mais que "Deus o tenha " alguma coisa falta. O que será? Essa força constante que procura satisfação, mas nunca fica satisfeita, chicoteando o recalque? Isto é Pulsão.  

  Freud em uma de suas conferências chamou ela de a mitologia da psicanálise, por dizer de uma origem humana longe da higiênica e pecadora gênese da bíblia. Portanto não lhe cabe em uma metáfora cristã, pois a origem cheira mal, não está tampada no sexo de Adão e Eva. Num chiste em homenagem a psicanálise brasileira diria que Exú é a Pulsão.

  Na historia oral de Exú, passado pelas religiões afro descendente, ele é o primeiro filho no qual tudo levava a boca e nunca estava satisfeito. Até que sobrará apenas sua mãe para ser engolida pro ele. Antes de ser devorada pelo próprio filho ocorre a interdição da facada do pai. Exú é aquele que carrega um falo e uma faca na cabeça posta por seu pai como um interdito. Assim Exú não luta com armas como outros Orixás, ele se utiliza da palavra que se faz em sua boca, ele recebe oferendas e assim invoca outros orixás. É o mais humano entre os Orixás, pois tem uma força constante, insaciável que nunca fica preso a um único objeto de satisfação. Ele é o que abre caminho de uma vida do instinto animal para a bipedia, pois é a porta verticalizada de uma vida em constante pulsação. 

  O que queres de Exú? Tudo aquilo que vier a boca, mesmo que sejam as palavras ao invés dos objetos de compulsão. É por ele que se pode escutar a estrutura em linguagem de Deus ao Diabo, é a força entre o Céu e o Inferno. Fomando assim uma das formas de nomear a tríade psicanalítica: Deus/Exu/Diabo, ou Real/Simbólico/Imaginário, ou Morte/Sexo/Origem.

Hélio Neiva

A interpretação a altura do Sujeito lacaniano

O sujeito lacaniano é herdeiro de restos, restos do sujeito da filosofia e da ciência por exemplo. O sujeito da filosofia em sua bus...